Oi galera!!
To propondo pra ler umas poesias do jornalista, escritor e poeta mineiro José Maria Rabêlo, cantor e crítico do exílio, próprio e dos outros, durante a ditadura no Brasil.
As poesias são escolhidas do livro Residência Provisória. Os sentimentos do exílio.
Em seguida vou publicar uns artigos sobre o autor e um recente artigo dele mesmo, que a gente pode ler também sábado próximo.
Até lá!
http://www.pdt-rj.org.br/destaques.asp?id=243
José Maria Rabêlo lança novo livro
19/4/2005
José Maria Rabêlo estará lançando seu livro Residência Provisória. Os sentimentos do exílio e a segunda edição de Binômio, no próximo dia 25 de abril, no restaurante La Fiorentina. (Av. Atlântica, 458), a partir das 18h30.
A visão do exílio, através da poesia, é a essência do livro Residência Provisória. Os sentimentos do exílio, do jornalista José Maria Rabêlo, que será lançado no Rio na próxima segunda-feira dia 25, a partir das 18:30, no Restaurante La Fiorentina. José Maria foi fundador do combativo jornal alternativo O Binômio fechado pela ditadura em 1964.
Residência Provisória. Os sentimentos do exílio nasceu de uma circunstância muito especial: a de evitar o que o autor chama de desaprendizado da língua, ou como diz ele, referindo-se aos quase 16 anos em que viveu como exilado na Bolívia, Chile e França, nos quais teve de usar cotidianamente aquelas línguas: Sob a pressão permanente e desestruturante, primeiro do espanhol, depois do francês, senti que, pouco a pouco, estava perdendo o domínio de meu próprio idioma.
Como reação a essa crucial perspectiva, sobretudo para um jornalista que faz da linguagem seu principal instrumento de trabalho, Rabêlo passou a escrever em português sempre que podia. A poesia pela sua imensa riqueza formal foi a modalidade escolhida para seu esforço de resistência cultural. O material produzido em tão singulares condições, depois de intensamente reelaborado, constitui a base de Residência Provisória, o primeiro livro de poesia de um autor brasileiro, todo escrito no exílio e sobre o exílio.
A obra contou com padrinhos da estatura do jornalista e poeta Wilson Figueiredo, que depõe sobre ela, no prefácio: Residência Provisória pode fundar descendência no Brasil e ser marco poético, pelo menos, para mostrar que é possível tecer versos de natureza política em um tom abaixo das estridências discursivas e proselitistas. Ou do também poeta e professor mineiro Edmur Fonseca, para quem a poesia de José Maria Rabêlo alcança um nível raro, usando um amplo leque de recursos, desde a métrica dos trovadores medievais e dos cantadores do Nordeste, ao versejar de acento camoniano e ao despojamento do melhor do modernismo português e brasileiro.
Juntamente com Residência Provisória, será lançada a segunda edição do livro Binômio. O jornal que virou Minas de cabeça para baixo, também de autoria de José Maria.
http://www.otempo.com.br/otempo/noticias/?IdNoticia=56841
Na época da ousadia
José Maria Rabêlo, que celebra 60 anos de carreira, é ícone de uma era em que a denúncia e o humor davam o tom do jornalismo brasileiro
Na época da ousadia
José Maria Rabêlo, que celebra 60 anos de carreira, é ícone de uma era em que a denúncia e o humor davam o tom do jornalismo brasileiro
MARCELO FIUZA - 16/09/2007
Na seção de agradecimentos do livro Binômio, o Jornal que Virou Minas de Cabeça para Baixo (Barlavento/Armazém de Idéias, 1997), José Maria Rabêlo revela que o conselho mais importante que recebeu na vida veio do porteiro Geraldinho, do prédio em que ficava a redação do dito periódico belo-horizontino, num funesto 30 de março de 1964: Cai fora, Zé Maria, que os homens estão aí te procurando.
Foi uma cena cinematográfica, eu descia por um elevador enquanto eles subiam por outro para me prender. Dentre essas desgraças todas que a gente viveu, sempre dei muita sorte. Se tivesse sido pego seria ruim, deprimente, desmoralizante, explica o jornalista sobre o fechamento do Binômio no golpe de 64, lembrando que essa foi apenas mais uma antológica passagem em seis décadas exatas de carreira jornalística, a serem celebradas em 2007 – o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais engendra uma homenagem, provavelmente para novembro, mas ainda a ser confirmada.
Perseguido e cassado pelos militares, Zé Maria passou por três exílios nos 16 anos seguintes. Conseguiu sair do país levando consigo a mulher, Thereza, e os sete filhos. E nunca largou o jornalismo. Na Bolívia, participou do lançamento do inovador Clarín, mas teve de deixar o país após o golpe militar que depôs o governo de Paz Estenssoro.
Exilou- se no Chile, onde trabalhou no Centro de Desenvolvimento Econômico e Social da América Latina e montou uma rede de livrarias. Até o general Pinochet tomar o poder de Salvador Allende e ele, mais uma vez, ter de fugir. Daquela vez não tínhamos esquema na véspera do golpe e, como sempre, contei com amigos, diz Zé Maria, que se radicou na França a seguir e prosseguiu no ofício de livreiro até o retorno ao Brasil, onde integrou a redação do Pasquim e foi vicepresidente do Banerj nas duas administrações do governador carioca Leonel Brizola.
Tapa na cara
Não foi, entretanto, o fato de ter fundado, em 1952, com o colega Euro Arantes, o Binômio – jornal recursor da imprensa alternativa brasileira, de sistemática oposição ao governo JK e pautado pelo humor e pela crítica social e política – que colocou Zé Maria no topo da lista dos presos políticos no golpe de 64.
Três anos antes, ele já tivera os militares em seus calcanhares, em outra passagem que merece ir para qualquer antologia do jornalismo no país: em 1961 Zé Maria socou o general João Punaro Bley, comandante de todas as forças federais na capital mineira.
Na ocasião, Bley foi à redação do Binômio tirar satisfações sobre a reportagem não assinada Democrata hoje, fascista ontem, que levantava a vida pregressa do militar como interventor no Espírito Santo e repleta de arbitrariedades contra adversários políticos. O general entrou na redação e manteve o seguinte e insólito diálogo com o jornalista: - Quem foi que escreveu esta merda contra mim? - Esta é uma matéria séria e eu sou responsável por tudo o que sai no jornal. - Então você é um filho da puta e vai pagar por isso. Imediatamente, o general-de-brigada partiu para a briga e agarrou o pescoço de Zé Maria.
Alto, forte, treinado em lutas e corajoso, o jornalista subjugou o militar a socos. Minutos depois, o quarteirão foi cercado, centenas de soldados invadiram o prédio e empastelaram o jornal, fato que repercutiu em todo o mundo. Nada ficara intacto do que compunha o Binômio nas seis salas do 6º andar, que seriam fechadas logo em seguida pela perícia da Polícia Civil e assim permaneceriam, por longo e inútil tempo, a receber a visita diária de curiosos que queriam olhar as ruínas, através das grades com os vidros quebrados e fechadas a chave, escreve Guy de Almeida, redator e editorchefe do periódico na época, sobre a confusão em que muita gente foi presa.
Nas horas seguintes ao incidente com o general não sabíamos no que ia dar. Tínhamos as Forças Armadas contra nós, lembra Zé Maria, que foi prudentemente retirado da redação após a briga e, naquela noite, fugiu da cidade vestido com batina de padre e acompanhado da mulher e filhos.
Não sem antes escrever editorial contra o empastelamento que seria publicado na edição seguinte do Binômio, juntamente com a reprodução da matéria sobre Bley. No inquérito policial militar instaurado, Zé Maria foi absolvido e considerado vítima. Como punição, todos oficiais envolvidos foram transferidos para outras unidades. Bley morreu sem cumprir o juramento de morte a Zé Maria.
Socialismo
Mineiro de Campos Gerais, José Maria Rabêlo veio adolescente para Belo Horizonte, para cursar o colegial no Estadual Central. Já trouxe consigo a vontade de ser jornalista. No interior já escrevia teatro, mantinha atividade intelectual. O jornalismo ou qualquer atividade tributária deste era o caminho, explica ele, que começou na profissão em 1947, na revista Cultura Magazine e, a seguir, foi trabalhar no Informador Comercial (mais tarde Diário do Comércio), na Tribuna de Minas e no Diário de Minas.
Em 1952, fundou, com o também jornalista Euro Arantes, o Binômio, que circulou até 1964. Queríamos somente dizer o que não nos permitiam em outros jornais, e dizer mesmo que fosse brincando, rindo e fazendo rir, escreve Zé Maria. Quem faz história não sabe que o está fazendo, completa.
Sempre fiz jornalismo político. Ser jornalista é a minha vida, diz ele, lembrando que desde a juventude esteve ligado aos movimentos sociais. Me aproximei da Esquerda Democrática e, em 1947, fundamos o Partido Socialista Brasileiro e começamos a fazer um jornalismo ‘contracorrente’. Queríamos fazer o socialismo democrático, éramos contra os stalinistas. Nos aproximávamos ideologicamente do Partido Trabalhista inglês, diz o candidato derrotado a prefeito de Belo Horizonte no pleito de 1962, com plataforma em defesa dos favelados e pela proteção dos recursos naturais do país.
Na literatura, além de Binômio, o Jornal que Virou Minas de Cabeça para Baixo, publicou o livro de poesias Residência Provisória (no exílio vi que estava perdendo a pureza da língua portuguesa e escrevi poesias para mim) e, em co-autoria com a mulher, Thereza Rabêlo, o livro de memórias Diáspora, os Longos Caminhos do Exílio.
Foi uma cena cinematográfica, eu descia por um elevador enquanto eles subiam por outro para me prender. Dentre essas desgraças todas que a gente viveu, sempre dei muita sorte. Se tivesse sido pego seria ruim, deprimente, desmoralizante, explica o jornalista sobre o fechamento do Binômio no golpe de 64, lembrando que essa foi apenas mais uma antológica passagem em seis décadas exatas de carreira jornalística, a serem celebradas em 2007 – o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais engendra uma homenagem, provavelmente para novembro, mas ainda a ser confirmada.
Perseguido e cassado pelos militares, Zé Maria passou por três exílios nos 16 anos seguintes. Conseguiu sair do país levando consigo a mulher, Thereza, e os sete filhos. E nunca largou o jornalismo. Na Bolívia, participou do lançamento do inovador Clarín, mas teve de deixar o país após o golpe militar que depôs o governo de Paz Estenssoro.
Exilou- se no Chile, onde trabalhou no Centro de Desenvolvimento Econômico e Social da América Latina e montou uma rede de livrarias. Até o general Pinochet tomar o poder de Salvador Allende e ele, mais uma vez, ter de fugir. Daquela vez não tínhamos esquema na véspera do golpe e, como sempre, contei com amigos, diz Zé Maria, que se radicou na França a seguir e prosseguiu no ofício de livreiro até o retorno ao Brasil, onde integrou a redação do Pasquim e foi vicepresidente do Banerj nas duas administrações do governador carioca Leonel Brizola.
Tapa na cara
Não foi, entretanto, o fato de ter fundado, em 1952, com o colega Euro Arantes, o Binômio – jornal recursor da imprensa alternativa brasileira, de sistemática oposição ao governo JK e pautado pelo humor e pela crítica social e política – que colocou Zé Maria no topo da lista dos presos políticos no golpe de 64.
Três anos antes, ele já tivera os militares em seus calcanhares, em outra passagem que merece ir para qualquer antologia do jornalismo no país: em 1961 Zé Maria socou o general João Punaro Bley, comandante de todas as forças federais na capital mineira.
Na ocasião, Bley foi à redação do Binômio tirar satisfações sobre a reportagem não assinada Democrata hoje, fascista ontem, que levantava a vida pregressa do militar como interventor no Espírito Santo e repleta de arbitrariedades contra adversários políticos. O general entrou na redação e manteve o seguinte e insólito diálogo com o jornalista: - Quem foi que escreveu esta merda contra mim? - Esta é uma matéria séria e eu sou responsável por tudo o que sai no jornal. - Então você é um filho da puta e vai pagar por isso. Imediatamente, o general-de-brigada partiu para a briga e agarrou o pescoço de Zé Maria.
Alto, forte, treinado em lutas e corajoso, o jornalista subjugou o militar a socos. Minutos depois, o quarteirão foi cercado, centenas de soldados invadiram o prédio e empastelaram o jornal, fato que repercutiu em todo o mundo. Nada ficara intacto do que compunha o Binômio nas seis salas do 6º andar, que seriam fechadas logo em seguida pela perícia da Polícia Civil e assim permaneceriam, por longo e inútil tempo, a receber a visita diária de curiosos que queriam olhar as ruínas, através das grades com os vidros quebrados e fechadas a chave, escreve Guy de Almeida, redator e editorchefe do periódico na época, sobre a confusão em que muita gente foi presa.
Nas horas seguintes ao incidente com o general não sabíamos no que ia dar. Tínhamos as Forças Armadas contra nós, lembra Zé Maria, que foi prudentemente retirado da redação após a briga e, naquela noite, fugiu da cidade vestido com batina de padre e acompanhado da mulher e filhos.
Não sem antes escrever editorial contra o empastelamento que seria publicado na edição seguinte do Binômio, juntamente com a reprodução da matéria sobre Bley. No inquérito policial militar instaurado, Zé Maria foi absolvido e considerado vítima. Como punição, todos oficiais envolvidos foram transferidos para outras unidades. Bley morreu sem cumprir o juramento de morte a Zé Maria.
Socialismo
Mineiro de Campos Gerais, José Maria Rabêlo veio adolescente para Belo Horizonte, para cursar o colegial no Estadual Central. Já trouxe consigo a vontade de ser jornalista. No interior já escrevia teatro, mantinha atividade intelectual. O jornalismo ou qualquer atividade tributária deste era o caminho, explica ele, que começou na profissão em 1947, na revista Cultura Magazine e, a seguir, foi trabalhar no Informador Comercial (mais tarde Diário do Comércio), na Tribuna de Minas e no Diário de Minas.
Em 1952, fundou, com o também jornalista Euro Arantes, o Binômio, que circulou até 1964. Queríamos somente dizer o que não nos permitiam em outros jornais, e dizer mesmo que fosse brincando, rindo e fazendo rir, escreve Zé Maria. Quem faz história não sabe que o está fazendo, completa.
Sempre fiz jornalismo político. Ser jornalista é a minha vida, diz ele, lembrando que desde a juventude esteve ligado aos movimentos sociais. Me aproximei da Esquerda Democrática e, em 1947, fundamos o Partido Socialista Brasileiro e começamos a fazer um jornalismo ‘contracorrente’. Queríamos fazer o socialismo democrático, éramos contra os stalinistas. Nos aproximávamos ideologicamente do Partido Trabalhista inglês, diz o candidato derrotado a prefeito de Belo Horizonte no pleito de 1962, com plataforma em defesa dos favelados e pela proteção dos recursos naturais do país.
Na literatura, além de Binômio, o Jornal que Virou Minas de Cabeça para Baixo, publicou o livro de poesias Residência Provisória (no exílio vi que estava perdendo a pureza da língua portuguesa e escrevi poesias para mim) e, em co-autoria com a mulher, Thereza Rabêlo, o livro de memórias Diáspora, os Longos Caminhos do Exílio.
Projetos
Com recém-completados 79 anos de vida, Zé Maria Rabêlo tampouco se acomoda. Escreve diariamente e tem três livros em produção. Um, histórico e informativo, chama-se Brilhos Vidrilhos de Belo Horizonte e conta a história da capital desde o século 19. Deve ficar pronto este ano. Outro é o autobiográfico Jornalismo na Contracorrente. Quero contar a história da imprensa brasileira através da nossa experiência, diz. Há ainda Minas na História do Brasil, obra coletiva sobre a colonização do Estado e que aborda também as origens étnicas e genéticas dos povos americanos pré-colombianos.
Me dê um dia para pesquisar e sou um homem que fala sobre qualquer assunto, diz ele, mostrando a sala repleta de recortes de jornais catalogados, no escritório na Savassi. Hoje, questionado se a luta valeu a pena, Zé Maria mostra-se realizado. Éramos sonhadores e fizemos o que e como podíamos. Valeu, pior seria se tivéssemos nos acomodado. Alguma importância tive ao fazer um jornal respeitado, que até hoje é querido, que fez sucesso e manteve a independência. Não tenho rancor de nada, nunca lamento derrotas e frustrações, pois são tentativas de se fazer algo mais digno.
Entretanto, se pudesse, Zé Maria mudaria um ponto de sua biografia. Digo que não repetiria tudo que fiz nestes 60 anos. Hoje me conteria diante das agressões ao general Punaro Bley, o imobilizaria e o deixaria lá. Teria evitado essa pecha, mas na época tinha de lutar para me defender, analisa o veterano profissional, que manda um recado para os novatos na área: A primeira qualidade do jornalista é ser crítico, tem de se colocar, ter responsabilidade social.
Com recém-completados 79 anos de vida, Zé Maria Rabêlo tampouco se acomoda. Escreve diariamente e tem três livros em produção. Um, histórico e informativo, chama-se Brilhos Vidrilhos de Belo Horizonte e conta a história da capital desde o século 19. Deve ficar pronto este ano. Outro é o autobiográfico Jornalismo na Contracorrente. Quero contar a história da imprensa brasileira através da nossa experiência, diz. Há ainda Minas na História do Brasil, obra coletiva sobre a colonização do Estado e que aborda também as origens étnicas e genéticas dos povos americanos pré-colombianos.
Me dê um dia para pesquisar e sou um homem que fala sobre qualquer assunto, diz ele, mostrando a sala repleta de recortes de jornais catalogados, no escritório na Savassi. Hoje, questionado se a luta valeu a pena, Zé Maria mostra-se realizado. Éramos sonhadores e fizemos o que e como podíamos. Valeu, pior seria se tivéssemos nos acomodado. Alguma importância tive ao fazer um jornal respeitado, que até hoje é querido, que fez sucesso e manteve a independência. Não tenho rancor de nada, nunca lamento derrotas e frustrações, pois são tentativas de se fazer algo mais digno.
Entretanto, se pudesse, Zé Maria mudaria um ponto de sua biografia. Digo que não repetiria tudo que fiz nestes 60 anos. Hoje me conteria diante das agressões ao general Punaro Bley, o imobilizaria e o deixaria lá. Teria evitado essa pecha, mas na época tinha de lutar para me defender, analisa o veterano profissional, que manda um recado para os novatos na área: A primeira qualidade do jornalista é ser crítico, tem de se colocar, ter responsabilidade social.
http://www.bafafa.com.br/noticias.asp?cod_categoria=4&cod_subcategoria=8&cod_noticia=1715
Os verdugos e suas vítimas
José Maria Rabêlo, jornalista - Rio de Janeiro, 14 de julho de 2008
anoticiacomoelae@uol.com.br bafafa@bafafa.com.br
Entre os principais países americanos, o Brasil foi o último a tornar-se independente. Foi um dos últimos a abolir a escravatura. Foi dos últimos também a ter uma universidade.
Estamos caminhando para um novo e vergonhoso recorde histórico. Enquanto diversos vizinhos nossos julgam e condenam seus ditadores, seus carrascos e torturadores, o Brasil nem mesmo abriu os arquivos secretos da Ditadura. Protegidos por uma lei de anistia que colocou no mesmo prato da balança vítimas e criminosos, estes últimos apresentam-se, por aí, na mais total impunidade, gozando de todas as vantagens e benefícios que herdaram de suas antigas funções. Alguns até mesmo se vangloriam de seu passado de torturadores, a exemplo de um ex-capitão do Exército pertencente a tradicional família de banqueiros de Belo Horizonte, que vai ao cúmulo de zombar pessoalmente dos que passaram pelas suas mãos. Têm até organizações de defesa da "classe", como a que promoveu recentemente manifestações de solidariedade ao coronel Brilhante Ustra, o sinistro Dr. Tibiriçá, algoz-mor do velho Doi-Codi paulista. E chegam a contar com um porta-voz na grande imprensa, ele mesmo co-autor dos piores atos contra a democracia durante o governo de exceção, esse emplumado coronel e ex-senador Jarbas Passarinho, incondicional defensor dos crimes dos porões militares.
Pelo menos quatro países já estão acertando suas contas com ex-governantes implicados em delitos contra os direitos humanos. O primeiro deles é a Argentina, justamente onde a repressão alcançou as maiores proporções. Foram 30 mil mortos e desaparecidos, principalmente sob a ditadura do general Jorge Videla, que governou o país de 1976 a 1981. Julgado mais tarde, Videla foi destituído de suas patentes e encontra-se hoje cumprindo prisão perpétua. Com todo o apoio da administração Kirchner, a Corte Suprema de Justiça tornou sem efeito as últimas leis que asseguravam a proteção aos envolvidos com a repressão. Muitos estão sendo processados e condenados, entre eles altas patentes e ex-mandatários, como o general Leopoldo Gualtieri, que conduziu o país à desastrosa guerra contra a Inglaterra.
O Uruguai vai pela mesma trilha. A Justiça acaba de decretar a prisão do ex-ditador Joan María Bordaberry, que, em 1973, deu um golpe de estado com o apoio das Forças Armadas. Ele é acusado pela morte de dezenas de opositores, inclusive parlamentares, e pode ser condenado a trinta anos de prisão.
No Peru, o ex-presidente Alberto Fujimori é alvo de inúmeros processos por violação dos direitos individuais, inclusive o assassinato de componentes do movimento guerrilheiro Sendero Luminoso.
O caso do Chile é parecido com os demais. A lei que impedia o julgamento dos crimes da ditadura está sendo revogada na prática pelos tribunais e brevemente deve ser anulada pelo congresso. O general Manoel Contreras, ex-comandante da Dina, polícia secreta do regime militar e coordenador da Operação Condor, já havia sido condenado pela justiça americana no caso do ex-ministro de Allende, Orlando Letelier, assassinado em Washington por agentes chilenos, e está preso em Santiago. O mesmo destino seria o de Augusto Pinochet, se a morte, colaborando com ele, não o tivesse levado antes do julgamento. Dezenas de outros integrantes dos órgãos repressivos respondem a processos.
No Brasil, apesar de termos um governo saído das lutas pela redemocratização, é proibido falar no assunto, sob a falsa alegação da "conciliação nacional". Essa conciliação que equipara os assassinados aos assassinos; os torturados, aos torturadores. É a conciliação da vida com a morte. Não temos nem o direito de saber o que se passou entre nós, pois lei aprovada no governo de FHC tornou secretos para sempre registros essenciais para o conhecimento das entranhas do regime ditatorial.
A revisão da Lei de Anistia e da que estabelece o acesso a documentos considerados sigilosos constitui uma imposição da própria preservação da democracia e do estado de direito, que não podem admitir, e muito menos perdoar, essas práticas medievais da tortura e dos assassinatos políticos.
É preciso rasgar o tumor da impunidade que cerca os crimes da Ditadura. É preciso ter coragem para iluminar os labirintos de nosso passado recente. É preciso banir todos os fantasmas, mortos ou vivos, que o habitam. Ou, como diz Neruda, em seus belíssimos versos, que faço meus: Por estes mortos / nossos mortos / peço castigo. / Para o verdugo / que mandou esta morte / peço castigo.
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